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  • Foto do escritorJuliana Dias

"Disseram para eu calar a boca": uma reflexão sobre o partejar novas escritas


Vi-me no quintal de casa. A relva verde radiante. O jardim cheio de vida. Arbustos, bromélias, flores, borboletas, árvores e eu saltitando entre elas. Vi o pé de licuri. Gosto de licuri, mesmo se tiver morotó. Eu tiro o morotó e como. No jardim tem cobra cipó.

Estou acostumada. Sozinha brinco. Gosto de brincar em companhia de outras pessoas, mas também gosto sozinha. Ainda tenho a chupeta e o gone-gone. Gosto de falar, cantar e dançar. Saltito, canto, falo e danço.

Disseram-me para eu calar a boca, que eu não podia perguntar, que eu era questionadora e isso era ruim. Eu me calei e parei de brilhar.


Por Joselma Coelho (Jô)


(Exercício: fechar os olhos e lembrar da mais tenra infância. Texto e colagem sobre o tema, feitos em sala de aula de Prática de Textos- Graduação/UnB)





Esse foi um texto escrito por uma pessoa muito querida, estudante de Letras da UnB. Joselma, em seu portfólio de textos autorais, nos presenteou com muitos textos reflexivos sobre seu processo criativo e sua autoria. O texto da Jô, como gosta de ser chamada, entra em sintonia com o que nosso grupo de pesquisa vem pesquisando acerca da escrita de textos autorais. É preciso descongelar nosso bloqueio interno para seguir. É preciso encarar, tratar e criar fronteira com essas 'vozes fantasmas' que afetam e atrapalham nossa criatividade. Em algum momento, permitimos que 'palavrasmundo' que não são nossas 'colem' em nossas identidades autoras e, assim, paralisamos. Esquecemo-nos, momentaneamente, das nossas próprias 'palavrasmundo', como nos lembra Paulo Freire em seu texto "A importância do ato de ler". É por isso que, a cada semestre, por mais de 15 anos, inicio minhas aulas com este texto de Paulo e com essas reflexões sobre autoria. É por isso que, juntamente com os/as estudantes, procuro partejar diariamente minhas palavrasmundo atualizadas, revisitadas, ancoradas no meu 'eu' do aqui e do agora. Mas é preciso levar a autoria para passear no nosso passado, por mais dolorido que isso possa ser. Para alcançar a autoria que queremos- a autoria do futuro- é preciso mergulhar e curar. É preciso olhar para trás e integrar aquele pedacinho dolorido no presente- tomá-lo enquanto força, enquanto ação- nova ação. Finalizo esse diálogo com a Joselma, trazendo um pequeno poema, escrito por ela, sobre sua autoria. Gratidão, querida Jô!



Quero re-tomar as palavrasmundo da infância e ser adulta-criança, ambas vivas em mim. Liberdade, brincadeira, alegria.

Esta sou eu: azul!

Eu brisa

Eu vento

Eu tempestade

Sou eu despida da eterna sinfonia da moral

Sou amoral

Meu sexo exposto

Todo o meu rosto para fora

E alimento a minha fantasia do seu dia a dia

Não se perturbe com as palavras que falam

Fale as palavras que perturbam

Perturbe quem fala

Perturbe quem cala

Grite alto


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